Cientistas norte-americanos infectaram deliberadamente prisioneiros, prostitutas e doentes mentais guatemaltecos com sífilis e gonorreia. Pelo menos 83 pessoas morreram.

30/08/2011 14:57

 É um “episódio vergonhoso da história médica”, diz a presidente da comissão que avaliou o caso. Entre 1946 e 1948, cientistas norte-americanos infectaram deliberadamente prisioneiros, prostitutas e doentes mentais guatemaltecos com sífilis e gonorreia. Pelo menos 83 pessoas morreram.

As experiências médicas que cientistas norte-americanos realizaram junto de populações vulneráveis da Guatemala já eram conhecidas, o Governo dos EUA pediu desculpa. Mas agora a comissão presidencial norte-americana para as questões da bioética trouxe novos detalhes e concluiu que “houve um esforço deliberado de enganar” os que participaram no estudo. Centenas de guatemaltecos foram deliberadamente infectados com sífilis e gonorreia.
A comissão, promovida pelo Presidente norte-americano Barack Obama, analisou mais de 125 mil documentos sobre estas experiências e deverá apresentar um relatório final em Setembro. Mas não há dúvidas de que o que aconteceu foi “um episódio vergonhoso da história médica”, diz a presidente da comissão, Amy Gutmann. As experiências envolveram cerca de 5500 pessoas e pelos menos 1300 foram deliberadamente infectadas com sífilis e gonorreia. Destas, só cerca de 700 receberam qualquer tipo de tratamento e pelo menos 83 acabaram por morrer.
“Não sabemos até que ponto estas mortes estiveram directa ou indirectamente relacionadas com as experiências, disse Stephen Hauser, membro da comissão de bioética e investigador da Universidade da Califórnia, ao apresentar os resultados preliminares da investigação. O que se sabe, adiantou, e que “houve um esforço claro e deliberado de enganar as pessoas nas quais foram feitas as experiências, a comunidade científica e a comunidade em geral”.
O estudo, financiado pelo Instituto Nacional de Saúde norte-americano e feito em cooperação com a Organização Pan-Americana de Saúde e várias agências guatemaltecas, tinha como objectivo “provar a eficácia de uma série de medidas profilácticas, incluindo várias loções químicas e a administração de penicilina por via oral”, adiantou Hauser. Pretendia-se também conhecer os efeitos da infecção com sífilis no sangue e no corpo e determinar se havia diferenças quando a infecção provinha de parceiros infectados ou da inoculação do agente patogénico.
“Este caso representa um capítulo obscuro da história dos EUA e o melhor que podemos fazer como norte-americanos é esclarecê-lo”, adiantou Amy Gutmann. “Os que estiveram envolvidos no estudo não tiveram o mínimo respeito pelos direitos humanos”. A comissão concluiu, por exemplo, que sete mulheres guatemaltecas com epilepsia internadas num lar foram injectadas com sífilis na parte de trás do crânio, o que é um procedimento arriscado, e acabaram for ficar doentes. Outro caso envolveu uma mulher com sífilis, que sofria de uma doença terminal desconhecida. Os investigadores quiseram verificar o impacto de uma infecção adicional e contaminaram-na com gonorreia nos olhos e em outras zonas. Morreu seis meses depois.
Na Guatemala, o Presidente Álvaro Colom já tinha considerado estas experiências um crime contra a humanidade, mas o vice-presidente Rafael Espada adiantou à BBC que o Governo iria pedir formalmente desculpa ao povo guatemalteco porque nas experiências também foram envolvidos médicos locais.
O investigador norte-americano que dirigiu estas experiências, John Cutler, morreu em 2003. A sua equipa não informou os participantes sobre o estudo ou as suas consequências, concluiu agora a comissão de bioética norte-americana. A investigação permaneceu secreta durante décadas, até que no ano passado um historiador do Wellesley College descobriu registos sobre ela entre a papelada do médico que liderou a investigação.
 

 Jessé de Oliveira